domingo, 30 de dezembro de 2007

MUDOU O ANO, MUDOU A VIDA?

Cada ano que chega nos traz consigo o desejo de querer mudar, aperfeiçoar nossas vidas, consertar o que está errado. Acabamos nos comprometendo com nós mesmos, com outras pessoas e até com Deus. Infelizmente, algumas dessas decisões de início de ano não duram até o fim de janeiro. Isso acontece porque toda mudança é sempre muito difícil, gera crise, porque nos faz caminhar por uma estrada desconhecida. Toda mudança exige sacrifício e determinação. Não mudamos nossa vida somente porque o ano mudou, mudamos nossa vida porque queremos e precisamos. Quantas coisas você já se comprometeu em mudar e ainda não conseguiu: ser mais calmo, cultivar melhor a espiritualidade, aplicar-se mais aos estudos, deixar determinados sentimentos ruins, etc.! Essa mudança pode acontecer, mas exige de você suor e lágrimas. Podemos mudar o que quisermos em nossas vidas, mas determinação, coragem e esforço são indispensáveis.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

O NASCIMENTO DE JESUS

Os Evangelhos nos contam que Jesus, aquele que a cristandade identificou como o Messias, enviado por Deus, nasceu numa manjedoura (lugar onde se colocava a comida dos animais). Não nasceu nos ricos palácios do “rei” Pilatos, por isso não pôde ser identificado com os poderes que exploravam, espoliavam e massacravam o povo; também não nasceu no templo, nem nas casas sacerdotais, por isso não pôde ser identificado com a religiosidade hipócrita e opressora da época; nem nasceu nas grandes e ricas casas dos comerciantes e proprietários de terras, por isso, também, não pôde ser identificado com as riquezas e o luxo. Antes, nasceu no lugar onde dormiam os animais, identificando-se desde o início com aqueles que não tinham lugar na sociedade da época, mostrando que não veio para ser servido mas para servir.
Por muitas vezes nos esquecemos do sentido libertador do natal: Jesus nos ensinando com sua vida o caminho da simplicidade e do amor por aqueles que vivem à margem da sociedade – seja por ser pobre, por não viver uma religiosidade ditada por dogmas hipócritas, ou por se opor aos modelos políticos vigentes. Jesus mostrou com sua vida que somos amados por Deus e que devemos responder a esse amor amando as pessoas. O natal só tem verdadeiro sentido quando vivemos de corpo e alma o compromisso de Jesus.

PENSEI QUE TODOS FOSSEM FILHOS DE PAPAI NOEL

Mesmo sabendo que Papai Noel era mais uma poderosa arma do mercado do que um símbolo do natal cristão, sempre gostei da figura do “bom velhinho”, pois para mim representava o ato de generosidade, bondade, desprendimento e o sonho infantil. Mas, de algum tempo para cá, essa representação não me é mais muito significativa.
Dizem que Papai Noel não se esquece de ninguém, seja rico ou seja pobre, basta que se comporte e seja bonzinho. Em todos os natais vejo o contrário: enquanto muitas crianças esperavam ansiosas por presentes, grupos de meninos e meninas pelas ruas são presenteados com fome, violência, drogas, prostituição e solidão. Descobri que Papai Noel sempre se esquece das crianças (boas ou más) que não vivem com suas famílias ou cujos pais não têm dinheiro para comprar o que é oferecido nas belíssimas propagandas de final de ano.
Hoje, para mim, ele só representa a frustração dos sonhos das crianças que não irão receber presente algum. É preciso resgatar o sentido do natal como nascimento de Jesus – expressão da esperança do rico e do pobre. O natal do amor, da inclusão e da partilha.
E eu que pensei que todos fossem filhos de Papai Noel...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

UMA TEOLOGIA DO NORDESTINO EM EXÍLIO?

Tenho pensado nos últimos tempos a presença dos retirantes nordestinos nas grandes cidades do sudeste – mais especificamente em São Paulo – como um exílio. Não tenho tido tempo para uma reflexão profunda nem para recolher material bibliográfico, mas pela minha própria (e manifesta) nordestinidade (em exílio) tenho sido desafiado teologicamente. Isso tem provocado em mim duas inquietações.
A primeira delas é sobre como ler teologicamente esse exílio, a partir de que. Aqui está mais para uma questão metodológica. Acho que não há melhor maneira de enxergar esse exílio que a partir da própria perspectiva do exilado. Talvez coubesse aqui uma antropologia teologia do retirante, dentro do conceito de mobilidade, se desloca forçadamente, não porque diretamente alguém lhe impôs (como no exílio do judeus na Babilônia, ou o exílio de centenas de brasileiros em vários lugares por causa do regime militar), mas pela imposição da miséria gerada pelas desigualdades sociais e econômicas.
A segunda é como promover resistência diante da terrível situação de exclusão e fragmentação da identidade. Me parece que uma possibilidade de resistência está na formação de espaços alternativos, onde as expressões culturas nordestinas servem de âncora diante da exclusão e da fragmentação da identidade. Esses espaços alternativos já existem e partem de iniciativas totalmente informais e despropositadas, mas com o tempo tornam-se lugares de comunhão, troca de experiências, partilha, memórias e identidade.
Espero num outro momento poder desenvolver essas questões que me instigam e inquietam. Essa reflexão, apesar de já com algumas décadas de atraso, permanece importante devido à continuação desse exílio, ainda que de outras formas e sob outras circunstâncias.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

RELAÇÃO URBANA

Oi!
Muito prazer!

Adeus!
Foi bom lhe conhecer!

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

TERRA


Encontrei esta gravura no blog Sala de aula (http://piquiri.blogspot.com/), de Terezinha Bordignon, e não pude deixar de pensar na interligação que há, não só entre as coisas vivas, mas entre tudo que existe sobre a Terra. É por isso que disse o Cacique Seatle: "tudo que fere a Terra, fere também aos filhos da Terra".

A Terra não deve ser vista somente como casa do ser humano, mas como extenção sua; não somente como criação divina, mas como altar; não somente como planeta, mas como organismo vivo. Entendo que partindo dessas concepções criamos um vínculo ecológico que não necessita para se sustentar de um discurso romântico ou apocalíptico.

SAUDADE

Talvez, como eu, você tenha saudade de muita gente, talvez do amigo que há muito tempo não aparece, do pai que partiu e nunca voltou, do irmão que morreu jovem, do filho que está viajando, do marido que está chateado e não quer conversar, da avó que morreu há muito tempo e vagamente o rosto é lembrado...
Há coisa mais dolorosa e ao mesmo tempo mais bela que a saudade? Dolorosa porque é um desejo frustrado de ver, tocar, ou simplesmente sentir por perto uma pessoa ou estar em algum lugar. É como cantou Chico Buarque, “[...] a saudade é o revés de um parto/ A saudade é arrumar o quarto/ Do filho que já morreu. [...] a saudade dói latejada/ É assim como uma fisgada/ No membro que já perdi”. É bela porque mostra um apego que a vida não consegue apagar. Já disse Rubem Alves que “saudade é a presença da ausência”. Ausência de quem se gosta e não se tem por perto, que foi levado pela morte ou pela vida.
Tirando a poeira de tristeza que há na saudade descobrimos que sofrer desse “mal” não é tão ruim. A falta que sentimos de alguém é a prova mais contundente de nossa humanidade, de que nossa vida não é um asteróide vagando no espaço, mas um vapor que se afasta das águas do mar com a certeza de um dia reencontrá-las.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

CINZAS


No fundo a escuridão. Há de se ter esperança?
Um desespero, como o inferno da vida, enche os olhos da mulher, o homem não mostra os seus.
Edvard Munch parece querer nos fazer gritar, entrar em pânico como quem se olha no espelho e não vê nada.
Cinzas. Só isso.
Cinzas: a gama de tonalidas nos remete à opacidade da existência, ao absurdo da constatação do desespero; restos do que foi queimado alude novamente ao desespero, do nada mais poder ser feito, a-ca-ba-do.
Munch não só nos passa suas angústias mas nos faz sentir mais intensamente as nossas.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

LENDO GENTE

Cada dia leio um livro
Nas falas das pessoas que conheço.
Conteúdos obscuros
Que são apenas compreensíveis
Nas notas de rodapés
Escondidas nas atitudes.

sábado, 13 de outubro de 2007

O MAL SOFRIDO: OU “A VIDA É ASSIM”

Todos nós já passamos por alguma forma de sofrimento, a condição humana é a isso suscetível, seja a morte (própria ou de alguém que gostávamos), doença, fome, castigo, injustiça, punição, etc. Em determinados momentos nos questionamos acerca do mal sofrido. Por que o sofremos? Há um propósito? Qual a sua origem? Nosso questionamento é uma defesa contra a complexidade da vida, uma tentativa de negar a noção de que “a vida é assim”.
As tentativas dos autores bíblicos de atribuir o mal sofrido aos seres religiosos – Deus ou Diabo – são amostras do desejo de superá-lo. Se o bem for feito Deus afastará o mal, se o pecado (mal moral) for cometido o mal físico virá. Temos um bom exemplo disso no livro de Gênesis: a serpente foi a responsável pela queda e o ser humano sofreu de Deus as conseqüências. Outro exemplo é o livro de Jó, que mostra o sofrimento de um inocente causado pela disputa entre Deus e o Diabo.
Como já afirmamos, nosso questionamento é uma defesa contra a noção de que “a vida é assim”, não aceitamos um mundo onde a morte seja a única certeza, a doença seja um fantasma que ronda no escuro e a violência seja, muitas vezes, parte do convívio com outras pessoas. Não aceitamos essa situação e para não entrarmos em desespero justificamos o mal elaborando origens. Mesmo entendendo a artificialidade dessas origens insistimos nelas.
A origem do sofrimento, diante do que sofre, é de pequeno valor, este interessa-se mais por soluções práticas que por teorizações. Ricoeur afirma que devemos substituir a pergunta “de onde vem o mal?” por “que fazer contra o mal?”, demonstrando com isso que é impossível desvendar o grande enigma, mas é possível propor alternativas que amenizem o sofrimento. Portanto, as doutrinas da Igreja, os filósofos cristãos que formularam teodicéias e o texto bíblico devem ser lidos em outra perspectiva: com o intuito de extrair princípios de solução para o mal sofrido; devemos, ainda, fazer surgir o sentimento de promoção do bem-estar e amenização do sofrimento, através de, como propôs Ricoeur, novas respostas ao problema, ações éticas e políticas que diminuam a violência e uma espiritualidade baseada na renúncia do desejo (de imortalidade, de recompensa, de libertação pelo sofrimento, etc) e no amor a Deus apesar das circunstâncias.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

ESTÁGIO TERMINAL

A sede lhe seca a garganta e não deixa as palavras saírem, só um som como o rastejar de um corpo. Tem necessidade de falar, de dizer suas últimas palavras. Força a garganta, se espreme. Seus pulmões também já não têm força e com dificuldade suga o ar. Há no seu estômago um doloroso vácuo, uma contração que o enrijece ao máximo e o faz expelir pela boca uma fetidez de fermentação.
Olha para as mangueiras com líquidos que, ligadas ao seu corpo, prolongam sua vida, e para as faces desoladas que o cercam. Imagina o que pensam os donos daqueles amarelos-avermelhados olhos que o vêem: “como ficou feio!”, “coitado!”, “ele era tão alegre!”, “que demora!”. Não sabe se ali estão por piedade, amor ou ódio.
Seus olhos passeiam pelo quarto. Sua imaginação começa a passear por dias à frente quando se vê restabelecido e de volta à mediocridade de seus envolvimentos afetivos. Sua memória passeia por sua história de três dias atrás e lembra-se do momento em que seu corpo se arremessava do sexto andar. Memória e imaginação chocam-se e os limites entre elas tornam-se indefinidos.
Há em sua frente a luz de algum aparelho que pisca constantemente, não sabe se já piscava ou se começou a pouco tempo. Percebe que ocupar-se com a luz causa-lhe sonolência. Talvez seja bom dormir, deixar o tempo passar enquanto está desacordado e quando despertar já estar melhor. Mas, de súbito, surge medo, medo de não estar começando dormir e sim morrer. Seu coração acelera, suas entranhas parecem formigar e seu corpo torna-se como que mais pesado. Pensa em como pode ter medo da morte se há poucos dias a buscou. Não quer morrer. Esforça-se para que os olhos continuem abertos, esforça-se para que a consciência não desvaneça, esforça-se para que sua respiração o agite.
Olha ao redor, tenta desviar da vista a luz que pisca. Olhos amarelos-avermelhados - que estariam pensando? -, mangueiras com líquido. Tenta comunicar-se mas a voz não sai, apenas ele ouve os ruídos do ar passando por sua garganta. Deseja que toquem nele ou que falem alto. Seus olhos vagarosamente baixam as cortinas - olhos amarelos-avermelhados, mangueiras com líquido - fecham-se completamente e ele nem percebe, faz-se escuridão mas não vê, apenas dorme.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

OLHAR PARA O CÉU À NOITE

Há muito tempo não paro para olhar o céu à noite. Às vezes a lua acena, eu olho rapidamente para ela, mas as várias atividades, o céu de cidade grande, as luas artificiais e descartáveis não me permitem olha-la por muito tempo. Quando criança eu gostava de ficar à noite no quintal olhando o piscar das estrelas, a forma que a lua se apresentaria, os astros que riscavam a imensidão e rapidamente desapareciam... Acho que isso um tipo de exercício de espiritualidade, havia um sentimento como aquele do salmista: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”.
Ademar Paegle, capelão do Seminário Batista do Norte, costumava dizer que Deus convidou Abraão para voltar a ser criança quando disse a ele: “Olha para o céu, e conta as estrelas”. Imagino Abraão, como menino, tentando contar o máximo de estrelas e quanto mais contava mais se dava conta de que sua tarefa era absurda, mas lhe fazia bem. Há muito tempo não conto estrelas, não por medo de verrugas, mas por medo de ser ridículo.
Aí me lembro da jornada dos magos seguindo a estrela que os levaria ao menino prometido, ao rei que eles esperavam e que estava para nascer. Olhando o tempo todo para o céu, procurando uma rota entre as constelações...
Um exercício de espiritualidade: olhar para o céu. Não importa se tem lua ou não, se dá para ver as estrelas, se algumas nuvens cobrem como um véu o infinito. Olhar para o céu é contemplar um espelho em frente a outro espelho e se perder de vista. Certa vez escrevi, após ler o Guardador de rebanhos de Alberto Caeiro:
(...)
E se somos do tamanho
Daquilo que vemos,
Sou enorme,
Sou um mundo.
Se a metrópole
Esconde-nos o horizonte
Força-nos a olhar
Para o céu
E ver de que tamanho
Realmente somos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

AMOR E JUSTIÇA: O problema do pecado

Apesar de Jesus ter dito que seu ensino se resumia no amor (a Deus e ao próximo) a pregação das igrejas tem ressaltado mais o pecado. O protestantismo brasileiro, influenciado pela teologia dos missionários americanos, oriunda da mesma raiz que algumas décadas mais tarde geraria o fundamentalismo, desde sua hinologia até seu ensino na escola dominical, só compreende o amor de Deus na dimensão do pecado. Sem pecado não há amor de Deus. Esse amor se manifesta na redenção dos pecados através da encarnação e morte de Cristo – manifestação do amor divino pelo ser humano.
Mas, ao mesmo tempo que a cristandade afirma o amor de Deus, afirma também sua justiça. Essa justiça se expressa na condenação dos que estiverem em pecado (é claro que o pecador é sempre aquele que não está de acordo com o ensino oficial, mas essa é uma outra história).

Como podemos conciliar amor e justiça em um único Deus? Quando falamos de condenação de pecados negamos o amor incondicional de Deus. Quando falamos que para o pecado haverá condenação imaginamos um Deus que se esqueceu do amor e não tem escrúpulos em castigar.

Gianni Vattimo nos oferece uma compreensão (que não é nova, mas que se renova) para pecado. Para ele, o único sentido de pecado é o da exclamação “que pecado!” (“que pena!”). Por exemplo: Há dois anos atrás por ocasião do nascimento da minha filha minha mãe foi nos visitar. Num determinado dia resolveu fazer uma de minhas sobremesas favoritas, mas, no momento de pôr na geladeira deixou cair perdendo todo o prato. Minhas palavras e sentimento naquele momento: “Que pecado!”. É claro que esse exemplo não alcança dimensões éticas mas clareia o que quero dizer.
Quais os limites nas nossas relações se a idéia de pecado se resume a um sentimento de perda? O limite é o amor (nesse ponto há uma identificação com o ensino de Jesus, mencionado acima). Sendo guiados por esse parâmetro não há necessidade de uma pregação sobre o pecado.

Deus passa, na dimensão do amor, a não ser compreendido mais como juiz ou algoz, mas como pai, mãe ou amigo. Até porque, como nos lembra Vattimo, perdão apenas para quem está arrependido não traz equilíbrio a situações, por exemplo, de violência extrema. O Deus que aterroriza criancinhas quando cantamos: “Cuidado boquinha no que fala (pezinho no que pisa, mãozinha no que pega, olhinho no que vê), o Salvador do céu está olhando pra você!”, deve ceder lugar ao Deus que conhece nossas limitações e que nos ama acima de tudo, até mesmo da justiça.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

SÓ(,) MEDITO

Estou em casa sozinho há dois dias (sozinho de gente, livros e cd’s me acompanham). Um pouco de solidão às vezes faz bem, nos permite pensar sobre coisas que quando acompanhados geralmente não pensamos.

Não costumo ver a velhice com pessimismo, como “canseira e enfado”. Mas sozinho me lembro que daqui há quarenta anos serei idoso, não sei se ainda conseguirei fazer planos, sonhar. Depois de algum tempo não estarei mais aqui. Dizem que essa pergunta surge em momentos de crise, no fim da uma vida ou após leituras de Schopenhauer: De que me importa tudo isso se daqui a algum tempo não estarei aqui? Suor de trabalho, madrugadas em leituras, dinheiro poupado para comprar casa e carro, luta contra câncer, de que me importa? Talvez caiba em questões existenciais a pergunta de Jesus: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro e perder sua vida?”. O Qoelét também perguntava: “Como o homem vem, assim ele vai, e o que obtém de todo seu esforço em busca do vento?”.

Acho engraçado (ou será inveja?) pessoas falando sobre a profundidade da existência. A profundidade da existência não está a menos de sete palmos. Existe aquela pergunta que incomoda a todos, até àqueles que fingem ter uma resposta: A morte é o fim de tudo? Até da sensação de que os nossos esforços valem a pena? Sem metafísica desde os místicos até os mais convictos ateus se calam.

E a aposta de Pascal? A aposta de Pascal não funciona. Não existe fé por precaução. Não existe “previdência social além-túmulo”. Fé é entender que as coisas estão em ordem e fazem sentido. Algumas pessoas têm fé.

Sozinho me pergunto o que fazer e ouço Fernando Pessoa:

Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.

Os dias passam e nós simplesmente devemos olhar com serenidade o filme da vida até o desenrolar de seus créditos finais. Não acredito que meu nome estará lá. Mas filme pela metade não tem graça.

sábado, 14 de julho de 2007

CONDOLÊNCIAS

Em frente à minha casa
Há um cemitério
Onde nesta manhã
Enterravam alguém.
Não sei se era gente importante,
Mas havia uma cara
De condolência no mundo:
O céu vestido de luto,
As árvores reverentes,
O vento passando lento
E sem alarido.
O mundo se despedia
Com compaixão, enquanto
Eu tomava suco de caju.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

VIDA E MORTE: O entrave do sentido da existência

A história do ser humano é ao mesmo tempo a história das perguntas sobre a existência. Dessas, a pergunta pelo sentido da vida e da morte têm sido uma das mais inquietantes. Isso não se dá por mera curiosidade mas por uma angústia que mexe com aquilo que somos e com a motivação para continuarmos a viver. Morte e vida – antagônicos ou cúmplices? A morte seria o fim da vida ou seu complemento? No mais profundo de nosso ser mora um desejo: vida. Desejo de todos que a tem. Deixar de desejá-la demonstra desequilíbrio, perda dos instintos básicos dos seres vivos. As perguntas pelo sentido da existência saltam diante de nós quando nos deparamos com o fator vida/morte. A perda de um filho, um tumor no cérebro, o assassinato de um herói, levantam as preocupações que estão incrustadas em nosso interior. Sartre já dizia que “o nascer como o morrer são absurdos”[1]. Diante disso perguntamos: Será a vida sempre um bem? Será a morte uma opção?
Dois mitos apontam para o absurdo da existência: o mito hebraico de Adão e o mito grego de Sísifo. Ambos os personagens, Adão e Sísifo, desobedeceram suas divindades e foram por isso castigados, sendo que o primeiro com o castigo da morte, por ter descoberto os segredos de Javé e o outro com o castigo da eternidade, por ter revelado aos humanos segredos do Olimpo. A falta de sentido na existência de Adão está no fato de saber que todo o seu trabalho se perderá com a morte. Nesse sentido disse o Qoelét: “Contudo, quando avaliei tudo o que as minhas mãos haviam feito e o trabalho que eu tanto me esforçara para realizar, percebi que tudo foi inútil, foi correr atrás do vento; não há nenhum proveito no que se faz debaixo do sol”[2]. O castigo de Adão não se limitava a apenas deixar de existir, mas de entender que toda a sua produção era inútil e que seus últimos dias seriam angustiosos pois caminhavam para o nada. Rubem Alves já disse que “a morte é aquela presença que, vez por outra, roça em nós seu dedo e nos pergunta: ‘Apesar de mim, crês ainda que a vida faz sentido?’”[3]. Essa é uma das grandes perguntas humanas. A linguagem poética pode nos ajudar a entender isso:

O QUARTO, A TELA E A VIDA

Entro no quarto e fecho a porta,
Sinto um calor infernal
Mas tento ignorá-lo.
Por que preciso senti-lo?
Porque estou vivo.
Mas, por que vivo?
Não me vem à mente
Nem a mais ortodoxa resposta.
Olho uma tela (presente de amigo):
Escura, sombria, tímida...
Comparo-a à vida (presente? Acaso? Castigo?):
Bonita, mas sem significado;
Penso no que o artista quis dizer.
Mas essa tela não precisa dizer nada,
Não precisa ter um significado.
Percebo que a vida é assim
(Escura, sombria, tímida
E vazia em sentido).
Por que vivo?
Por que, se viver é um sopro?
Abro a janela
E vejo a rua movimentada,
Respiro um ar não viciado.
Percebo que do quarto
Não vejo a tabacaria de Pessoa
Mas um mundo de fumaça e idéias.
Em Sísifo a falta de sentido está em sua eternidade, em saber que nada do que fizer será satisfatório, visto que após cada jornada, conquista ou encontro surge o vazio e a insatisfação de não ter acréscimo algum à sua existência. Dorian Gray, personagem de Oscar Wild, não se sentia feliz nem realizado mesmo percebendo que o tempo maltratava os outros mas ele continuava sempre jovem. Portanto,

Será que seriamos felizes se fossemos eternos? Será que valorizaríamos a vida? Será que era preciso lutar pelos nossos sonhos? Será que amaríamos aquelas pessoas que são significativas para nós? Esses questionamentos levam-me a inevitável concepção de que seriamos tristes se fossemos eternos... Penso, que a eternidade me roubará tudo àquilo que conquistei debaixo do sol[4].

Rollo May, analisando o castigo de Zeus a Prometeu (torturas pela eternidade), diz que foi mais cruel que o castigo de Javé a Adão[5]. O viver para sempre, dessa forma, além de sem sentido é a maior demonstração de crueldade possível. Há um equivalente a prometeu na tradição cristã referente ao inferno, onde os pecadores serão torturados pela eternidade com fogo, vermes imortais, humilhações, lástimas e sentimento de culpa.
Diante do fator vida/morte nos deparamos com o absurdo de Sartre. A morte anula o sentido da vida e a vida sem morte também não tem sentido. Augustine argumenta:

A duração de nossas vidas nada tem a ver com elas terem ou não sentido (...). Se a ausência de um propósito maior é o que faz a vida ser em última instância sem Sentido, nossas vidas seriam igualmente inúteis se fossem eternas. Da mesma forma, se fazer parte de um propósito maior desse a nossas vidas um sentido, então nossas vidas teriam sentido mesmo se a morte acabasse com elas para sempre[6].

A falta de sentido na existência nos angustia, mas, nem por isso deixamos de querer viver, apenas criamos subterfúgios emprestando sentidos e elaboramos respostas a partir de nossa cultura e personalidade. Um desses subterfúgios é o de dar sentido apenas para a vida pessoal. “Qual o meu sentido?”. Não é o sentido da existência humana mas da existência do indivíduo. Sobre esse sentido pessoal declarou Josias Bezerra:

A vida, portanto, é parecida com um coletivo urbano, em que a gente sabe o destino, conhece as paradas, a nossa parada em especial. Então, a gente aperta um botão e o motorista nos deixa naquele ponto solicitado. Nesse ponto é que, às vezes temos de caminhar com nossas próprias pernas, chegamos ao nosso destino pela individualidade, o coletivo não entra na intimidade de um lar. De modo que se não podemos deixar de andar coletivamente, é na individualidade que acessamos nosso crescimento. Precisamos aprender, também, a sair do geral para o específico, do amplo para o estreito, dos outros, em direção a nós mesmos. É na individualidade, que aceita mas não se perde no coletivo, que encontramos parte do sentido na vida[7].

A importância que damos a esse sentido pessoal tem a mesma medida da importância que damos a nós mesmos. Para nós mesmos somos mais importantes que seis bilhões de pessoas. O sentido da existência humana torna-se de pouco valor se encontramos um sentido pessoal. Outro subterfúgio é o de que encontramos sentido no outro. Essa forma de pensar é bem aceita nos humanismos contemporâneos, principalmente em meio cristão. Encontramos sentido no outro, vivemos para o outro e o outro para nós, então, “o homem só é verdadeiramente homem ao se dar, quer dizer, ao perder seus limites” [8].
Uma tentativa de responder ao dilema da existência é a religião. Frei Betto disse que “a sede de sentido é que explica a busca desenfreada de religiosidade”[9]. Por isso, quase na totalidade, as manifestações religiosas tem uma solução para a morte que vão desde ressurreição espiritual para morar com Deus num paraíso, à transmigração da alma (reencarnação ou metempsicose), do simples voltar para Deus a unir-se à natureza criada. Para o apóstolo Paulo a vida eterna tinha sentido e ele concebia a morte como algo a ser superado através de Cristo: “Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade”[10]. Desidério Murcho diz que “mesmo a idéia teísta mais sofisticada não é senão a expressão da esperança de que a vida tenha sentido”[11]. A grande dificuldade, lembramos aqui de Sísifo, é que não há garantia alguma de que uma vida eterna seja dotada de sentido, ou tenha mais valor do que o nada.
Uma coisa é incontestável, nada tem dado mais respostas ao ser humano do que a religião. Desidério Murcho disse que “(...) nas respostas religiosas a própria pessoa é importante; há um Deus que a vê e a escolhe, que lhe concede a vida eterna e a bem-aventurança, e não apenas um conceito impessoal de valor objetivo”[12]. Sentindo-se valorizado, livre da morte e portador de felicidade o indivíduo sente-se satisfeito em relação à existência e suas perguntas voltam a dormir em seu interior.
O fator vida/morte como absurdo da existência atormenta e angustia a quem não encontra resposta na religião nem consegue viver de subterfúgios. Será a morte a destruidora do sentido, ou a vida, em si, já é carente dele? Nos sentimentos, nos instintos e na fé o ser humano encontra esperança,[13] esperança que não se fundamenta em uma lógica consistente mas que traz equilíbrio e impede que para nós tudo se torne neurose e caos. Assim, diante do mistério preferimos ficar com Gibran: “Vós saberíeis o segredo da morte. Mas como o encontrareis a não ser que o busqueis no coração da vida?”.[14]


Referências bibliograficas:

[1] apud STRIEDER, Inácio. Os fundamentos do homem. Série didática. Recife: Fundação Antonio dos Santos Abranches, 1983. p. 127.
[2] Ec 2: 11 (NVI).
[3] ALVES, Rubem. O que é religião? 3. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 123.
[4] RODRIGUES, Antonio Almeida. Um sonho de felicidade. Publicação eletrônica. Mensagem recebida por em 17/10/2005.
[5] MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. Ed. 21. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 153.
[6] AUGUSTINE, Keith. A morte e o sentido da vida.
[7] BEZERRA, Josias. Vivendo com sentido. In: Artigos breves de minha autoria. Recife, 2004. Disquete.
[8] GARAUDY, Roger. Apelo aos vivos. Ed. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 254.
[9] BETTO, Frei. Um sentido para a vida. Disponível em: . Acesso em 02/05/2005.
[10] I Co 15: 53 (NVI). Cf. v. 35-58
[11] MURCHO, Desidério. O sentido da vida. In: Intelectu: Disponível em: . Acesso em 07/05/2005.
[12] MURCHO, Desidério. O problema pessoal do sentido da vida. Acesso em 02/05/2005.
[13] Cf. ROSA, Merval. Antropologia filosófica: uma perspectiva cristã. 2. ed. revisada. Rio de Janeiro: JUERP, 2004. p 352-361.
[14] GIBRAN, Gibran Khalil. O profeta. Porto Alegre: L&PM, 2002. p. 101.

terça-feira, 26 de junho de 2007

CRISE DE VOCAÇÃO

Que virtude tenho em ser poeta?
Não me dão dinheiro por isso,
Não publicam
Nem falam bem do que escrevo,
Nem ao menos sou citado em papos-furados.
Quase ninguém sabe que sou poeta
E quando alguém descobre ainda
Pergunta: “Você assistiu Sociedade dos
Poetas mortos
?”,
Ou ainda “Você já leu Camões?
Ele é português e escreveu uma música
Para a Legião Urbana”.

sábado, 23 de junho de 2007

Para começo de conversa

Inácio de Loyola Brandão disse em entrevista que é inadmissível que falte assunto a um escritor que percebe o que está à sua volta. Bem, não sei se posso ser classificado como escritor, de qualquer forma, já abro esse blog dizendo que me falta inspiração. Tive um outro blog há um tempo atrás, mas desisti de atualizá-lo. Escrever dá muito trabalho.
Não espere muita coisa, não sou muito prolixo, gosto de dizer as coisas sem floreios e rodeios. Prometo um pouquinho de teologia, poesia e filosofia. Prometo também reflexões transversais (nome que se dá às conversas inclassificáveis) sobre arte, religião, sociedade, sexualidade, etc. e principalmente sobre a vida.
Convido você a ler de vez em quando, ainda que eu não lhe prometa nada (lembra-se da aposta de Pascal?), você tem alguma coisa a perder? Também lhe convido a comentar, não gosto de ser corrigido, mas dessa vez ponho minha cara a tapa. Acho que se dialogarmos cresce você e cresço eu.