quarta-feira, 3 de outubro de 2007

ESTÁGIO TERMINAL

A sede lhe seca a garganta e não deixa as palavras saírem, só um som como o rastejar de um corpo. Tem necessidade de falar, de dizer suas últimas palavras. Força a garganta, se espreme. Seus pulmões também já não têm força e com dificuldade suga o ar. Há no seu estômago um doloroso vácuo, uma contração que o enrijece ao máximo e o faz expelir pela boca uma fetidez de fermentação.
Olha para as mangueiras com líquidos que, ligadas ao seu corpo, prolongam sua vida, e para as faces desoladas que o cercam. Imagina o que pensam os donos daqueles amarelos-avermelhados olhos que o vêem: “como ficou feio!”, “coitado!”, “ele era tão alegre!”, “que demora!”. Não sabe se ali estão por piedade, amor ou ódio.
Seus olhos passeiam pelo quarto. Sua imaginação começa a passear por dias à frente quando se vê restabelecido e de volta à mediocridade de seus envolvimentos afetivos. Sua memória passeia por sua história de três dias atrás e lembra-se do momento em que seu corpo se arremessava do sexto andar. Memória e imaginação chocam-se e os limites entre elas tornam-se indefinidos.
Há em sua frente a luz de algum aparelho que pisca constantemente, não sabe se já piscava ou se começou a pouco tempo. Percebe que ocupar-se com a luz causa-lhe sonolência. Talvez seja bom dormir, deixar o tempo passar enquanto está desacordado e quando despertar já estar melhor. Mas, de súbito, surge medo, medo de não estar começando dormir e sim morrer. Seu coração acelera, suas entranhas parecem formigar e seu corpo torna-se como que mais pesado. Pensa em como pode ter medo da morte se há poucos dias a buscou. Não quer morrer. Esforça-se para que os olhos continuem abertos, esforça-se para que a consciência não desvaneça, esforça-se para que sua respiração o agite.
Olha ao redor, tenta desviar da vista a luz que pisca. Olhos amarelos-avermelhados - que estariam pensando? -, mangueiras com líquido. Tenta comunicar-se mas a voz não sai, apenas ele ouve os ruídos do ar passando por sua garganta. Deseja que toquem nele ou que falem alto. Seus olhos vagarosamente baixam as cortinas - olhos amarelos-avermelhados, mangueiras com líquido - fecham-se completamente e ele nem percebe, faz-se escuridão mas não vê, apenas dorme.

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