quarta-feira, 27 de junho de 2007

VIDA E MORTE: O entrave do sentido da existência

A história do ser humano é ao mesmo tempo a história das perguntas sobre a existência. Dessas, a pergunta pelo sentido da vida e da morte têm sido uma das mais inquietantes. Isso não se dá por mera curiosidade mas por uma angústia que mexe com aquilo que somos e com a motivação para continuarmos a viver. Morte e vida – antagônicos ou cúmplices? A morte seria o fim da vida ou seu complemento? No mais profundo de nosso ser mora um desejo: vida. Desejo de todos que a tem. Deixar de desejá-la demonstra desequilíbrio, perda dos instintos básicos dos seres vivos. As perguntas pelo sentido da existência saltam diante de nós quando nos deparamos com o fator vida/morte. A perda de um filho, um tumor no cérebro, o assassinato de um herói, levantam as preocupações que estão incrustadas em nosso interior. Sartre já dizia que “o nascer como o morrer são absurdos”[1]. Diante disso perguntamos: Será a vida sempre um bem? Será a morte uma opção?
Dois mitos apontam para o absurdo da existência: o mito hebraico de Adão e o mito grego de Sísifo. Ambos os personagens, Adão e Sísifo, desobedeceram suas divindades e foram por isso castigados, sendo que o primeiro com o castigo da morte, por ter descoberto os segredos de Javé e o outro com o castigo da eternidade, por ter revelado aos humanos segredos do Olimpo. A falta de sentido na existência de Adão está no fato de saber que todo o seu trabalho se perderá com a morte. Nesse sentido disse o Qoelét: “Contudo, quando avaliei tudo o que as minhas mãos haviam feito e o trabalho que eu tanto me esforçara para realizar, percebi que tudo foi inútil, foi correr atrás do vento; não há nenhum proveito no que se faz debaixo do sol”[2]. O castigo de Adão não se limitava a apenas deixar de existir, mas de entender que toda a sua produção era inútil e que seus últimos dias seriam angustiosos pois caminhavam para o nada. Rubem Alves já disse que “a morte é aquela presença que, vez por outra, roça em nós seu dedo e nos pergunta: ‘Apesar de mim, crês ainda que a vida faz sentido?’”[3]. Essa é uma das grandes perguntas humanas. A linguagem poética pode nos ajudar a entender isso:

O QUARTO, A TELA E A VIDA

Entro no quarto e fecho a porta,
Sinto um calor infernal
Mas tento ignorá-lo.
Por que preciso senti-lo?
Porque estou vivo.
Mas, por que vivo?
Não me vem à mente
Nem a mais ortodoxa resposta.
Olho uma tela (presente de amigo):
Escura, sombria, tímida...
Comparo-a à vida (presente? Acaso? Castigo?):
Bonita, mas sem significado;
Penso no que o artista quis dizer.
Mas essa tela não precisa dizer nada,
Não precisa ter um significado.
Percebo que a vida é assim
(Escura, sombria, tímida
E vazia em sentido).
Por que vivo?
Por que, se viver é um sopro?
Abro a janela
E vejo a rua movimentada,
Respiro um ar não viciado.
Percebo que do quarto
Não vejo a tabacaria de Pessoa
Mas um mundo de fumaça e idéias.
Em Sísifo a falta de sentido está em sua eternidade, em saber que nada do que fizer será satisfatório, visto que após cada jornada, conquista ou encontro surge o vazio e a insatisfação de não ter acréscimo algum à sua existência. Dorian Gray, personagem de Oscar Wild, não se sentia feliz nem realizado mesmo percebendo que o tempo maltratava os outros mas ele continuava sempre jovem. Portanto,

Será que seriamos felizes se fossemos eternos? Será que valorizaríamos a vida? Será que era preciso lutar pelos nossos sonhos? Será que amaríamos aquelas pessoas que são significativas para nós? Esses questionamentos levam-me a inevitável concepção de que seriamos tristes se fossemos eternos... Penso, que a eternidade me roubará tudo àquilo que conquistei debaixo do sol[4].

Rollo May, analisando o castigo de Zeus a Prometeu (torturas pela eternidade), diz que foi mais cruel que o castigo de Javé a Adão[5]. O viver para sempre, dessa forma, além de sem sentido é a maior demonstração de crueldade possível. Há um equivalente a prometeu na tradição cristã referente ao inferno, onde os pecadores serão torturados pela eternidade com fogo, vermes imortais, humilhações, lástimas e sentimento de culpa.
Diante do fator vida/morte nos deparamos com o absurdo de Sartre. A morte anula o sentido da vida e a vida sem morte também não tem sentido. Augustine argumenta:

A duração de nossas vidas nada tem a ver com elas terem ou não sentido (...). Se a ausência de um propósito maior é o que faz a vida ser em última instância sem Sentido, nossas vidas seriam igualmente inúteis se fossem eternas. Da mesma forma, se fazer parte de um propósito maior desse a nossas vidas um sentido, então nossas vidas teriam sentido mesmo se a morte acabasse com elas para sempre[6].

A falta de sentido na existência nos angustia, mas, nem por isso deixamos de querer viver, apenas criamos subterfúgios emprestando sentidos e elaboramos respostas a partir de nossa cultura e personalidade. Um desses subterfúgios é o de dar sentido apenas para a vida pessoal. “Qual o meu sentido?”. Não é o sentido da existência humana mas da existência do indivíduo. Sobre esse sentido pessoal declarou Josias Bezerra:

A vida, portanto, é parecida com um coletivo urbano, em que a gente sabe o destino, conhece as paradas, a nossa parada em especial. Então, a gente aperta um botão e o motorista nos deixa naquele ponto solicitado. Nesse ponto é que, às vezes temos de caminhar com nossas próprias pernas, chegamos ao nosso destino pela individualidade, o coletivo não entra na intimidade de um lar. De modo que se não podemos deixar de andar coletivamente, é na individualidade que acessamos nosso crescimento. Precisamos aprender, também, a sair do geral para o específico, do amplo para o estreito, dos outros, em direção a nós mesmos. É na individualidade, que aceita mas não se perde no coletivo, que encontramos parte do sentido na vida[7].

A importância que damos a esse sentido pessoal tem a mesma medida da importância que damos a nós mesmos. Para nós mesmos somos mais importantes que seis bilhões de pessoas. O sentido da existência humana torna-se de pouco valor se encontramos um sentido pessoal. Outro subterfúgio é o de que encontramos sentido no outro. Essa forma de pensar é bem aceita nos humanismos contemporâneos, principalmente em meio cristão. Encontramos sentido no outro, vivemos para o outro e o outro para nós, então, “o homem só é verdadeiramente homem ao se dar, quer dizer, ao perder seus limites” [8].
Uma tentativa de responder ao dilema da existência é a religião. Frei Betto disse que “a sede de sentido é que explica a busca desenfreada de religiosidade”[9]. Por isso, quase na totalidade, as manifestações religiosas tem uma solução para a morte que vão desde ressurreição espiritual para morar com Deus num paraíso, à transmigração da alma (reencarnação ou metempsicose), do simples voltar para Deus a unir-se à natureza criada. Para o apóstolo Paulo a vida eterna tinha sentido e ele concebia a morte como algo a ser superado através de Cristo: “Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade”[10]. Desidério Murcho diz que “mesmo a idéia teísta mais sofisticada não é senão a expressão da esperança de que a vida tenha sentido”[11]. A grande dificuldade, lembramos aqui de Sísifo, é que não há garantia alguma de que uma vida eterna seja dotada de sentido, ou tenha mais valor do que o nada.
Uma coisa é incontestável, nada tem dado mais respostas ao ser humano do que a religião. Desidério Murcho disse que “(...) nas respostas religiosas a própria pessoa é importante; há um Deus que a vê e a escolhe, que lhe concede a vida eterna e a bem-aventurança, e não apenas um conceito impessoal de valor objetivo”[12]. Sentindo-se valorizado, livre da morte e portador de felicidade o indivíduo sente-se satisfeito em relação à existência e suas perguntas voltam a dormir em seu interior.
O fator vida/morte como absurdo da existência atormenta e angustia a quem não encontra resposta na religião nem consegue viver de subterfúgios. Será a morte a destruidora do sentido, ou a vida, em si, já é carente dele? Nos sentimentos, nos instintos e na fé o ser humano encontra esperança,[13] esperança que não se fundamenta em uma lógica consistente mas que traz equilíbrio e impede que para nós tudo se torne neurose e caos. Assim, diante do mistério preferimos ficar com Gibran: “Vós saberíeis o segredo da morte. Mas como o encontrareis a não ser que o busqueis no coração da vida?”.[14]


Referências bibliograficas:

[1] apud STRIEDER, Inácio. Os fundamentos do homem. Série didática. Recife: Fundação Antonio dos Santos Abranches, 1983. p. 127.
[2] Ec 2: 11 (NVI).
[3] ALVES, Rubem. O que é religião? 3. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 123.
[4] RODRIGUES, Antonio Almeida. Um sonho de felicidade. Publicação eletrônica. Mensagem recebida por em 17/10/2005.
[5] MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. Ed. 21. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 153.
[6] AUGUSTINE, Keith. A morte e o sentido da vida.
[7] BEZERRA, Josias. Vivendo com sentido. In: Artigos breves de minha autoria. Recife, 2004. Disquete.
[8] GARAUDY, Roger. Apelo aos vivos. Ed. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 254.
[9] BETTO, Frei. Um sentido para a vida. Disponível em: . Acesso em 02/05/2005.
[10] I Co 15: 53 (NVI). Cf. v. 35-58
[11] MURCHO, Desidério. O sentido da vida. In: Intelectu: Disponível em: . Acesso em 07/05/2005.
[12] MURCHO, Desidério. O problema pessoal do sentido da vida. Acesso em 02/05/2005.
[13] Cf. ROSA, Merval. Antropologia filosófica: uma perspectiva cristã. 2. ed. revisada. Rio de Janeiro: JUERP, 2004. p 352-361.
[14] GIBRAN, Gibran Khalil. O profeta. Porto Alegre: L&PM, 2002. p. 101.

terça-feira, 26 de junho de 2007

CRISE DE VOCAÇÃO

Que virtude tenho em ser poeta?
Não me dão dinheiro por isso,
Não publicam
Nem falam bem do que escrevo,
Nem ao menos sou citado em papos-furados.
Quase ninguém sabe que sou poeta
E quando alguém descobre ainda
Pergunta: “Você assistiu Sociedade dos
Poetas mortos
?”,
Ou ainda “Você já leu Camões?
Ele é português e escreveu uma música
Para a Legião Urbana”.

sábado, 23 de junho de 2007

Para começo de conversa

Inácio de Loyola Brandão disse em entrevista que é inadmissível que falte assunto a um escritor que percebe o que está à sua volta. Bem, não sei se posso ser classificado como escritor, de qualquer forma, já abro esse blog dizendo que me falta inspiração. Tive um outro blog há um tempo atrás, mas desisti de atualizá-lo. Escrever dá muito trabalho.
Não espere muita coisa, não sou muito prolixo, gosto de dizer as coisas sem floreios e rodeios. Prometo um pouquinho de teologia, poesia e filosofia. Prometo também reflexões transversais (nome que se dá às conversas inclassificáveis) sobre arte, religião, sociedade, sexualidade, etc. e principalmente sobre a vida.
Convido você a ler de vez em quando, ainda que eu não lhe prometa nada (lembra-se da aposta de Pascal?), você tem alguma coisa a perder? Também lhe convido a comentar, não gosto de ser corrigido, mas dessa vez ponho minha cara a tapa. Acho que se dialogarmos cresce você e cresço eu.