sábado, 22 de março de 2008

FLUXOS MIGRATÓRIOS: Um desafio à igreja

Quero neste breve texto apontar os desafios dos fluxos migratórios (internos) à prática da igreja, dando ênfase às migrações de nordestinos às região metropolitanas do Sudeste e Centroeste. Antecipo que não sou especialista em demografia, nem em história das migrações internas do Brasil, apenas quero compartilhar algumas reflexões sobre esse tema que me inquieta.
Os fluxos migratórios na atualidade constituem um grande desafio à prática da igreja principalmente pelos grandes impactos sociais que provoca. No Brasil (migração interna), por exemplo, ocasionou um grande êxodo rural e a superpovoamento das grandes cidades do Centroeste e Sudeste, sobretudo Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Os fluxos migratórios podem ter início por vários motivos: conflitos bélicos (caso do Afeganistão), fome (caso da Etiópia), insatisfação com a conjuntura política (caso de Cuba), melhoria das condições de vida (caso de Porto Rico), dentre outros. No Brasil os principais movimentos migratórios aconteceram a partir da exploração da Amazônia, quando milhares de nordestinos, procedentes, principalmente, do Ceará, foram levados aos estados do norte para trabalhar na extração de borracha e posteriormente na construção da Rodovia Trans-amazônica. A construção de Brasília também levou milhares de nordestinos a deixarem sua terra e partirem para o trabalho de edificação da nova capital. Mas a maior das migrações se deu já desde a primeira década do século passado com a partida de milhares de nordestinos ao Sudeste, partida essa motivada pelo crescimento da produção agrícola e pelo processo de industrialização. Rosana Baeninger[i], diz que

Na vertente da migração rural-urbana, Singer contextualizou esses movimentos migratórios no bojo do processo de industrialização em curso, onde os deslocamentos populacionais - com origem no rural e destino urbano representavam a força de trabalho necessária à etapa de acumulação capitalista. As áreas rurais estagnadas ou em processo de transformação contribuíam para "fatores de estagnação" ou "fatores de mudanças" impulsionadores de fluxos migratórios nos locais de origem, onde as "causas" e os "motivos" da migração eram resultantes das transformações econômicas globais da sociedade. Os excedentes populacionais do rural constituíam transferências populacionais para as cidades, com a incorporação desses contingentes no mercado de trabalho industrial em expansão.

Gonçalves[ii] ainda aponta outros fatores motivadores das migrações do Nordeste para o Sudeste:

As causas desse êxodo, antigo e sempre novo, são diversificadas e complexas. A opinião pública e a imprensa costumam falar da seca em primeiro lugar. Mas o fato é que as estiagens prolongadas escondem motivações mais profundas e invisíveis. Entre estas, a concentração da terra, o coronelismo viciado, a corrupção, o patriarcalismo e a falta de infra-estrutura são algumas das principais.
A seca, a bem dizer, marca a hora da saída. Constitui um motivo imediato e aparente. Mas há causas remotas, históricas, estruturais, que forçam a saída do nordeste em distintas direções, particularmente para o centro-sul do país.
As conseqüências e as dificuldades também são muitas. Além dos problemas pessoais, familiares, sociais e econômicos, ultimamente têm enfrentado a discriminação, o preconceito e até mesmo a perseguição aberta.

A partir da década de 80 a configuração dessas migrações se modificou. Há agora também uma situação de retorno. Muitos nordestinos estão voltando à sua terra, talvez motivados pelas novas políticas governamentais de incentivo ao desenvolvimento regional (ainda que bastante limitadas e, por vezes, assistencialistas), pelo desencanto diante da miséria e exclusão a que são submetidos nas metrópoles do centro-sul e pelo desejo de identidade e pertença.
Os nordestinos estão concentrados principalmente nos bairros periféricos e favelas, realizam na maioria das vezes trabalhos braçais ou informais, têm menos acesso à educação superior, dentre outros problemas associados à exclusão. Além disso, o preconceito infundido na cultura oprime e rechaça o nordestino de sua dignidade. Uma questão que muitas vezes passa despercebida é a perda de identidade e pertença entre os retirantes, principalmente os vindo de cidades do interior. O choque cultural e a mudança de valores provoca uma crise que na maioria das vezes não é bem resolvida. As igrejas pentecostais das periferias têm crescido numericamente por tornar-se refúgio, espaço de identidade e pertença para nordestinos distantes de sua terra.
O grande desafio que os fluxos migratórios constituem à prática da igreja deve surgir do sentimento de responsabilidade que deve existir na igreja em relação ao mundo. A situação de exclusão a que é submetida uma grande massa de nordestinos é um clamor que ressoa nos ouvidos da igreja. Ela deve ser um dos agentes de transformação desse exílio, mas para isso deve antes ser “igreja na sociedade”, ou como se dizia das CEB’s, “povo de Deus no meio do povo”, abandonando a espiritualidade vazia de compromisso com o Deus-do-mundo, ou o mundo-de-Deus, e a visão soteriológica conversionista, encarnando a dor do exilado e propondo soluções. Ela tem que compreender como parte de sua missão a humanização do exilado, pois humaniza a si mesma quando tenta ajudar os marginalizados no processo de humanização[iii].

[i] BAENINGER, Rosana. São Paulo e suas migrações no final do século 20. São Paulo em perspectiva. v.19 n.3 São Paulo jul./set. 2005.
[ii] GONÇALVES, Alfredo J. Novos êxodos: A tradicional e nova migração nordestina em primeiro plano. A cara nova do fenômeno migratório no país. In: Revista missões. Disponível em: www.revistamissoes.org.br. Acesso em:14/02/2008.
[iii] LUCIA, José Sols. Teologia da marginalização: Os nomes de Deus. São Paulo: Paulinas, 1995.

6 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Caro Cleber,

Antes de tudo, agradeço pelo ânimo em tornar públicas suas reflexões. São bastante dignas de serem lidas, sobretudo por se tratar de alguém que está nos meandros do ambiente acadêmico e eclesiástico. É um árduo caminho aprender a encontrar a fronteira entre um e outro. Mas gente como você nos ajuda a ter inspiração para os difíceis momentos de desânimo em perseguir e defender a impossibilidade de separar teoria da prática.

Bom, o presente texto é meio truncado por causa das citações diretas, embora comunique seu respeito pela ipsissima vox dos autores consultados. Vale a pena, sim, ler e refletir sobre as citações. São importantes no entendimento do seu parágrafo áureo, que está no final. Lá está a preciosidade de seu post. Parece que é o que lhe inquietou a escrever esta reflexão. Sorte nossa!

Quero ter uma atitude assim diante dos meus irmãos e irmãs migrantes! Esse é meu desafio. Tomo sua proposta para mim. Aliás, o tema do blog é bem sugestivo: Palavras catadas no caminho. Cristianismo é catar palavras. Cato a sua agora. Cato sua inquietação neste texto. Cato o compromisso e o engajamento por ele exigida.

Um abraço fraterno.

Felipe Fanuel disse...

*exigidos.

Anônimo disse...

Vamos caminhando, refletindo e escrevendo, este é nosso legado e nosso fardo, vamos seguindo esta jornada e vendo onde nos leva este caminho.
Forte abraço mano !
Fernando Barcellos
O seu amigo Pr. Bonzinho
PS: Lembra de meu texto sobre a origem do pentecostalismo, há um capítulo em que trabalho esta questão da migração desta gente, leia lã !

Anônimo disse...

Vamos caminhando, refletindo e escrevendo, este é nosso legado e nosso fardo, vamos seguindo esta jornada e vendo onde nos leva este caminho.
Forte abraço mano !
Fernando Barcellos
O seu amigo Pr. Bonzinho
PS: Lembra de meu texto sobre a origem do pentecostalismo, há um capítulo em que trabalho esta questão da migração desta gente, leia lã !

Mentoria Espiritual disse...

Olá Cleber... estou de volta. Espero que não tenha se esquecido de mim. Aparece lá no Mentoria. Tem uma surpresa...
Um grande abraço

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog, vou me tornar leitora assídua.

Deus abençoe sua vida!!!